A transformação digital na saúde tem acontecido de forma irregular. Nos equipamentos a evolução digital tem sido gigante e de total aceitação. Nos sistemas de apoio à decisão clínica, o desenvolvimento de aplicações tem sido significativo, mas de difícil aceitação. O modelo de saúde tem-se mantido sem grandes alterações apesar das suas premissas terem mudado. A especialização clinica e a medicina do retalho obrigarão a repensar o modelo, evoluindo para uma organização de trabalho em rede e avaliado pelos resultados obtidos na solução dos problemas de saúde e não pela realização de atos clínicos isolados. A grande transformação digital nesta área passa pela construção de um modelo de “colaboração” com o objetivo de fazer a gestão da saúde: preventiva, preditiva, curativa e de convivência com a doença, suportado em ferramentas informáticas que permitam fazer diagnósticos mais precisos e rápidos e terapêuticas personalizadas mais eficazes, incrementando a eficiência do ecossistema e facilitando-lhe a vida aos doentes.
A virtualização de operações nas organizações tem sido uma constante de desenvolvimento à qual temos assistido aceleradamente nos últimos anos. Ferramentas informáticas móveis inundam o mercado em todos os setores da nossa sociedade facilitando as tarefas cotidianas dos cidadãos. Neste trabalho far-se-á uma revisão do grau de penetração que as ferramentas informáticas têm tido no setor da saúde com o foco de análise nas unidades hospitalares. Para cada processo relevante dentro do âmbito hospitalar será feita uma descrição das ferramentas informáticas que o suportam, assim como uma descrição da linha de orientação que conduz o seu desenvolvimento. Grandes investimentos são feitos na informatização do setor da saúde [1], mas é preciso fazer uma análise crítica do valor acrescentado que estas iniciativas trazem. Uma reflexão sobre os aspetos de maior aceitação e os principais obstáculos a esta transformação digital ajudaria a definir qual a estratégia mais apropriada a seguir no setor da saúde, sobretudo no contexto hospitalar (quer para a sua implementação, quer para o seu aproveitamento).
O contexto hospitalar ou de unidades de prestação de serviços de saúde, independentemente de qual seja a sua dimensão ou tipologia (pública ou privada), é suficientemente amplo para ser recomendável uma divisão nas suas componentes mais características: clínica e gestão.
Neste trabalho relacionado com o estado da arte da informatização na área hospitalar vamos estabelecer esta divisão e vamos propor para cada uma das vertentes, clínica (Clínica-Clínica) e Gestão (Gestão-Clínica), um macro-circuito que identifica os processos mais importantes dentro de cada uma destas áreas.
Partindo da identificação de necessidades de saúde por parte dos cidadãos vamos estabelecer o percurso que é seguido por estes ao longo do circuito de resolução dos seus problemas. Vamos diferenciar os processos do âmbito Clínico-Clínico onde os protagonistas da realização das atividades de cada processo nesta vertente, para além dos doentes, são os profissionais de saúde. E os processos do âmbito Gestão-Clínica onde os protagonistas da realização das atividades inerentes a cada um dos processos de esta outra componente são, para além dos doentes, os gestores e pessoal administrativo das unidades de saúde.
No circuito Clínico-Clínico destacamos os seguintes processos:
No circuito Gestão-Clínica destacamos os seguintes processos:
Seguidamente, faremos a caraterização informática de cada um dos processos identificados para cada um dos circuitos: Clínico-Clínico e Gestão-Clínica. Apresentaremos um ponto de situação do atual grau de uso de ferramentas digitais em cada processo e a seguir definiremos uma linha de ação futura que se prevê será o caminho que devera conduzir a evolução digital em cada um dos mesmos.
A área do diagnóstico clínico é uma das áreas mais evoluídas no uso de ferramentas digitais para a sua realização. Os elementos principais para a sua execução são a componente analítica, sustentada na semiologia clínica e a área de meios complementares de diagnóstico.
Na componente analítica o uso de ferramentas como Bases de Dados Clínicos, Bases de Dados de Medicamentos, Histórias Clínicas Digitalizadas (EPR) é de caráter cotidiano e de aceitação comum por parte dos profissionais de saúde. É normal a utilização destas ferramentas informáticas nos meios hospitalares como clínicas, hospitais, centros de saúde e até nos consultórios privados de pequena dimensão. Neste sentido as ferramentas informáticas nesta área são já consideradas commodities e tem o seu futuro assegurado como pilares de evolução do diagnóstico clínico.
Já não podemos afirmar o mesmo no que se refere a ferramentas informáticas orientadas ao apoio da decisão clínica tais como Sistemas Periciais Clínicos (inteligência artificial), machine learning e big data. Apesar de estar em clara ascensão no que se refere à investigação e desenvolvimento, o seu uso ainda se encontra aquém das expectativas tendo em conta a sua grande potencialidade e os esforços financeiros realizados neste campo. É evidente que na decisão clínica existe uma componente subjetiva que é reservada agora e o será no futuro aos profissionais de saúde, mas como em todas as disciplinas científicas existe também uma componente algorítmica suscetível de ser abordada com modelos matemáticos e probabilísticos que a seguir podem ser informatizados garantindo assim a sua estandardização e reprodutibilidade. Esta componente ganha cada dia mais terreno estreitando a faixa da subjetividade na decisão clinica. O uso das ferramentas de machine learning associadas a grandes volumes de informação (big data) permitem aos investigadores e profissionais de saúde ter à mão informação em volume, qualidade e rapidez de tal forma que as suas decisões podem ser diminuídas em probabilidade de erro, assim como ser orientadas aos doentes de forma personalizada. Conceitos como Medicina Baseada na Evidencia ou Medicina Personalizada (precision health) ganham força com o aparecimento e desenvolvimento destas ferramentas [2] [3]. Temos ainda uma cultura, que apesar de não ser idêntica em todo o mundo, tem em comum a sua falta de aceitação por parte dos profissionais de saúde deste tipo de ferramentas [4], o que tem contribuído para a modesta banalização do seu uso, não permitindo ainda ser possível a criação do circuito de interações de desenvolvimento (desenho-prototipagem-desenvovimento-testes-produção-afinação-detecção de erros-desenho...) fundamental para evolução rápida de qualquer modelo. A utilização tímida destas ferramentas tem travado o seu ritmo de evolução, mas é evidente que é esse o caminho a seguir e mesmo de forma lenta tem avançado a passo firme nos últimos anos e continuará sem parar.
Na componente de meios complementares de diagnóstico, principalmente no que diz respeito a imagiologia, a transformação digital tem sido notável nos últimos anos [2]. Equipamento de radiologia e ferramentas como PACS com as sua poderosas consolas de diagnóstico têm contribuído para uma evolução sem precedentes. Aqui são os próprios médicos radiologistas que servem de promotores e incentivadores às empresas de investigação, construção de equipamentos e desenvolvedores de software para estes continuarem de forma exponencial a disponibilizar soluções. A aceitação destas ferramentas acontece neste meio de forma natural e poderíamos falar com maior rigor de evolução digital, mais que de uma transformação digital.
Na patologia clínica também é evidente o uso cotidiano de ferramentas digitais, mesmo que não ao nível de imagiologia, esta área também tem sofrido grandes mudanças derivadas da evolução tecnológica, principalmente nos equipamentos de medição.
Com a Genómica como linha de orientação predominante na investigação médica [5], o desenvolvimento de uma medicina personalizada torna-se uma evidência. Ter a possibilidade à partida ou com o tempo suficientemente confortável para agir, de detetar potenciais focos de problemas em cada individuo em particular, tendo em conta a sua estrutura genómica, vai ser a grande revolução na área clínica. A medicina preditiva e preventiva serão os focos de investimento a todo nível dentro do contexto da saúde. Aumentamos aqui o grau de precisão com que os diagnósticos podem ser feitos, diminuindo a probabilidade de erro e estreitando a faixa de subjetividade associada a esta tarefa, o que leva ao aumento da componente determinística na realização de diagnósticos e à consequente possibilidade de criar/afinar algoritmos de auxilio a esta atividade. Tudo o referido anteriormente promoverá uma mudança de atitude por parte dos profissionais de saúde na aceitação de ferramentas de ajuda na decisão clínica baseada em sistemas de inteligência artificial, utilizando big data e ferramentas de machine learning numa medicina virada para a prevenção e predição e baseada na evidencia clínica [6].
O tratamento de doentes não é uma área exemplar da transformação digital ocorrida na área da saúde. Podemos, no entanto, destacar o tratamento feito dentro das unidades hospitalares (tanto no internamento como no ambulatório) onde a digitalização chega através dos equipamentos cada vez mais automatizados e cujo uso é de aceitação natural e até diferenciadores em termos de concorrência entre unidades de saúde.
No tratamento feito pelos doentes fora das unidades de saúde, em casa, a ausência de ferramentas digitais facilitadoras da execução deste trabalho é quase total. Salientamos só o aparecimento nos últimos anos de apps que permitem aos utilizadores a gestão de toma de medicamentos e a realização de atos de enfermagem e fisioterapia.
Consideramos, portanto, o processo do tratamento uma área fértil para a investigação e desenvolvimento de ferramentas digitais que facilitem aos doentes, fora das unidades hospitalares, a possibilidade de fazer todo o processo de recuperação de forma mais ágil, segura e até controlada por profissionais de saúde, mesmo que de forma remota.
À medida que a excelência clínica se torna um fator diferenciador entre unidades de saúde e entre organizações prestadores de saúde de uma forma mais geral (pública e privada) e até um fator exigível tanto a nível de políticas de saúde e principalmente pelos utilizadores que cada vez estão mais apurados na literacia da saúde, surge como uma obrigatoriedade a medição mais rigorosa e ampla dos Outcomes Clínicos ao longo da Cadeia de Valor da Saúde. Medições que não se esgotam após a realização de atos clínicos (como por exemplo cirurgias) e/ou durante o período de estadia dos doentes nas unidades hospitalares, mas sim, durante todo o período de recuperação do mesmo, incluindo o período transcorrido fora das unidades (em casa) até à sua recuperação “total”. O aparecimento de ferramentas de gestão da recuperação de doentes fora das unidades hospitalares é o caminho traçado para a transformação digital na vertente do Tratamento. Dispositivos de hardware e software, como Portais de Interação Doente-Unidade on-line, ou quase on-line onde se faça o controlo da evolução do doente vs. modelo de terapêutica e medicamentos utilizados, parece ser o passo seguinte neste percurso.
Para falarmos de Controlo devemos primeiro falar de Monitorização. Referimo-nos aqui à Monitorização Remota, ou seja, ferramentas que permitam a medição de variáveis à distância. Podemos separar 3 tipos de monitorização: monitorização de doentes agudos, monitorização de doentes crónicos e monitorização com fins especiais tais como desportistas, grávidas, viajantes, expatriados e outros.
A monitorização de agudos refere-se a doentes que devendo permanecer internados nas unidades de saúde, são enviados para casa para completar o seu período de internamento sob a responsabilidade da unidade de saúde respetiva. Este é um modelo ainda muito embrionário e carente de mecanismos digitais de monitorização. Mesmo assim, estão dando-se os primeiros passos neste sentido através do desenvolvimento de unidades de cuidados intensivos portáteis e farmácias (unidose) portáteis interligadas a sistemas de controlo hospitalar que permitam ter o doente suficientemente vigiado para garantir a sua segurança e permitir uma oportuna intervenção dos profissionais de saúde no caso ser necessário e assegurar também a devida administração da terapêutica medicamentosa (esta monitorização poderia encaixar também na etapa do tratamento).
A monitorização de doentes crónicos é uma das áreas de maior foco nestes momentos. O aparecimento de equipamentos portáteis com fins específicos, como medidores de variáveis diversas (tensão arterial, ECG, glicemia, colesterol, etc.) é uma realidade [2]. Estes dispositivos já estão dotados de mecanismos de armazenamento de informação e transmissão de dados que permitem aos doentes e entidades prestadoras de serviços de saúde manter uma permanente comunicação, monitorização e consequentemente controlo das mais diversas situações relacionadas com saúde dos doentes crónicos. O aparecimento de apps ligadas a estes equipamentos pertence também ao cotidiano, estas apps, inclusive, podem trazer embebidos algoritmos de terapêutica de tal forma que já há registos de profissionais de saúde a prescrever apps em vez de medicamentos com a sua devida customização ou adaptação à pessoa em particular. Mesmo assim há muito por evoluir neste contexto e o nível de aceitação deste tipo de ferramentas ainda não é o suficiente para permitir uma completa banalização do seu uso e consequentemente a velocidade de disseminação destas é ainda lento. Fazem parte deste tipo de equipamentos todos os dispositivos que estão a aparecer no mercado com a caraterística principal de serem totalmente digitais e suficientemente ergonómicos para facilitar o seu uso cotidiano (wearables).
A monitorização com fins especiais já se faz algum tempo mesmo que as ferramentas usadas para este fim estejam cada vez mais evoluídas, tal como vimos na monitorização de doentes crónicos. A colocação de sensores em varias partes do corpo com o objetivo de predizer situações anómalas e afinar planos de treino é já comum no contexto do desporto de alto rendimento, por exemplo.
Os avanços em nanotecnologia, que têm sido gigantes nos últimos anos, irão permitir a conversão dos equipamentos de medição/ação de variáveis clínicas em dispositivos diminutos com as mesmas funcionalidades e facilmente implantáveis no corpo dos doentes, de tal forma que o nível de automatismo será quase total proporcionando aos doentes uma monitorização em tempo real e sem a necessidade de intervenção manual. Nesta área podemos também falar do mesmo tipo de avanços, mas aplicados ao setor do medicamento no qual vai-se poder também ter à disposição nano-dispositivos de administração de medicamentos implantáveis no corpo dos doentes, eliminando a necessidade da intervenção humana.
Derivado do sucesso contínuo na investigação médica e farmacêutica, a expectativa de vida a nível geral tem aumentado de forma acentuada nas ultimas décadas. As consequências desta mudança são de grande impacto num ecossistema sustentável de saúde a nível mundial, transferindo o peso das doenças agudas para as doenças crónicas. Isto significa que uma pessoa cuja expectativa de vida à nascença é de X anos, vai passar muitos mais anos a conviver com uma ou mais doenças crónicas. Para além de todas as desvantagens a nível pessoal e social que esta situação tem, a capacidade financeira das pessoas, famílias e do estado torna-se insustentável; daí que os sistemas de saúde a nível mundial se encontrem quase todos deficitários recorrendo a grandes ginásticas para garantir a sua difícil sobrevivência.
Isto evidencia a necessidade de uma mudança de paradigma na maneira como é percecionada e gerida a saúde a nível mundial. A aposta na prevenção e a predição surgem como uma alternativa ao modelo atual [6]. Mesmo assim, e com todas as evidências à mostra, o enveredar por este caminho tem sido feito com exagerada timidez. Só agora com o desenvolvimento da intercomunicabilidade social (smartphones, redes sociais, wearables) estão dadas as condições para acelerar este percurso. Volta a ser a tecnologia o grande promotor de uma mudança social fornecendo as condições necessárias à criação de ferramentas informáticas que permitam apostar na prevenção em saúde.
É cada vez maior aparecimento de sites orientados a instruir a população para hábitos mais saudáveis, bem como o aparecimento de apps para registar e controlar a atividades desportivas e ainda para sugerir o seguimento de dietas alimentícias e promover uma série de atividades profiláticas.
Semelhante à evolução experimentada em outros domínios como por exemplo no desporto, no qual existem os treinadores pessoais ou na Banca onde a relação interpessoal entre os clientes e a instituição se faz através dos gestores de clientes, na saúde o caminho vislumbra-se parecido. Prevê-se o surgimento de Gestores Pessoais de Saúde, que terão como objetivo o aconselhamento e controlo da saúde dos cidadãos. Obviamente tudo suportado em ferramentas informáticas (algumas já existentes) que facilitarão este trabalho tanto na vertente de prevenção como de convivência com a doença.
O Livro da Saúde de cada individuo será o seu guião a seguir, formatado inicialmente como um livro de recomendações de caráter determinístico baseado em variáveis explícitas associadas a cada indivíduo, mas posteriormente evoluirá para um livro de recomendações baseado na análise de grandes volumes de informação associada ao indivíduo confrontada com grandes volumes de informação existentes em bases de dados a nível mundial operado por um motor de inteligência artificial.
Como todas organizações atuais, as unidades de saúde fazem o seu primeiro contato digital com os seus utilizadores através do Site da instituição. É por este meio que se subministram todas as informações relevantes tanto a nível institucional (Missão, Visão, Relatórios de Contas e outros), como a nível operacional (Serviços, Produtos, Agendas, Preços, Acordos e outros). Em outro estádio estão aquelas unidades de saúde que tem evoluído na interação com os seus clientes proporcionando-lhes informação clínica, nomeadamente: resultados de exames de patologia clínica, relatórios de imagiologia e relatórios de visitas à unidade e permitindo ações administrativas tais como marcações de atos clínicos e pagamentos. São estes os níveis de digitalização em que as unidades de saúde se encontram no que diz respeito a este processo. O que revela uma discreta utilização das tecnologias de informação na interação entre unidades de saúde e clientes.
Verificamos que os modelos de gestão (já implementados em outros domínios) que permitissem a possibilidade de fazer comparações entre unidades de saúde e a possibilidade de fazer avaliações mútuas entre estas unidades de saúde e os seus clientes ainda não se encontram banalizados. Assim como não existe a possibilidade de fazer comparações entre profissionais de saúde que pertencem a uma mesma especialidade ou que realizam um mesmo ato clínico; como também não existe a possibilidade de fazer avaliações mútuas entre estes profissionais de saúde e os seus clientes.
No momento da procura de alternativas, depois de detetada a necessidade de recorrer um profissional de saúde ou uma entidade de saúde é evidente a falta de ferramentas informáticas que suportem esta tarefa. A procura é feita de uma forma tradicional, não estruturada e portanto, não informatizada.
Se tomarmos como exemplo a consulta, marcação e compra de bilhetes aéreos, vemos quão atrasada está a área da saúde neste domínio. Vamos assistir rapidamente à disponibilização de ferramentas informáticas com motores de busca que permitirão aos utilizadores procurar o melhor fornecedor para as suas necessidades pontuais de saúde e com os filtros que sejam relevantes para cada pessoa como geografia, excelência clínica, preço e disponibilidade, entre outros.
Ferramentas administrativas informatizadas que permitam a protocolização das medições de outcomes Clínicos, ligadas a ferramentas já existentes como CRM também estão na linha de orientação do desenvolvimento digital das organizações de saúde.
Existem dois circuitos básicos no contexto das unidades de saúde: o circuito do doente e o circuito do medicamento. O circuito do medicamento faz parte da componente logística das organizações de saúde e encontra-se razoavelmente informatizado dentro do Sistema de Informação do Hospital (HIS).
Focar-nos-emos aqui no circuito do doente, desde a sua chegada às unidades de saúde até a sua saída. Quando um doente chega a uma unidade de saúde o primeiro que faz é dar conhecimento da sua chegada através de uma ação chamada check-in que pode ser realizada de forma manual informando o administrativo responsável da sua chegada ou fazendo check-in automático em dispositivos próprios para tal efeito. Nesta tarefa são fornecidas todas as informações de caráter administrativo (Identificação, Entidades Financiadoras...), a seguir o doente é encaminhado às repetitivas salas de espera onde depois será chamado para a realização do ato medico previsto.
A realização do check-in é maioritariamente feita de forma presencial e com recurso aos funcionários administrativos das unidades. Esta tarefa é completamente determinística e modelável, de tal forma que poderia ser sujeita a uma automatização quase completa de forma a evitar o recurso a interação pessoal com administrativos deixando assim a necessidade desta interação só para tratar das exceções.
Depois do doente ser atendido pelos profissionais de saúde, é encaminhado para realização dos procedimentos de saída ou check-out onde se efetua o pagamento (no caso de haver valores por pagar) e a marcação de atos clínicos posteriores. Atualmente este é um processo ausente de qualquer nível de informatização nas unidades de saúde para além do recurso ao HIS. É o processo que mais tempo consome aos administrativos e aos doentes. É um processo suscetível de ser informatizado se se resolverem os obstáculos de “Colaboração” entre as diferentes entidades envolvidas no processo: unidades hospitalares, entidades pagadoras, entidades bancárias, doentes. O que implicaria que o cálculo do pagamento (caso exista) pudesse ser automático e todas as transações inerentes a este processo fazerem-se de forma totalmente informatizada.
Será inevitável num futuro próximo o aparecimento e desenvolvimento de apps que permitirão o acompanhamento do circuito dos doentes dentro de uma unidade de saúde. As principais funcionalidades que se espera virem a ser disponibilizadas por aplicativos informáticos para facilitar o percurso dos doentes nas suas visitas às unidades de saúde serão: a possibilidade dos doentes realizarem a sua “pré-anamsese” antes da visita às unidades de saúde, a deteção automática de dispositivos, como smarphones, para registar a chegada dos doentes às unidades de saúde, a disponibilização de aplicativos GPS de edifícios que guiarão os doentes para as diferentes localizações dentro das unidades de saúde, o subministro de informação relevante para a gestão pessoal da estadia dos doentes nas unidades de saúde (como os tempos de espera previstos para cada ato clínico), a capacidade de estabelecer digitalmente a relação dos doentes com os seu seguros de saúde e as entidades bancárias para a realização do cálculo dos valores a pagar, a execução automática dos pagamentos e a capacidade de gerar propostas automáticas para as marcações das próximas visitas dos doentes às unidades de saúde no caso de serem necessárias. Este tipo de ferramentas beneficiará não só aos doentes como também as próprias unidades, assim como a todas as entidades vinculadas de forma direta ou indiretamente com a programação, a realização e o pagamento de atos clínicos.
Olharemos neste ponto para o ato clínico desde uma perspetiva administrativa e não clínica, como já o fizemos anteriormente. Neste momento a realização de um ato clinico é quase na totalidade das vezes feito de maneira presencial. É um cara a cara entre os profissionais de saúde implicados na realização do ato clínico e o doente. Surgem de uma forma tímida alternativas a este modelo, baseadas num conceito, antigo de nome e recente em utilização real: a Telemedicina. Obviamente o bom senso leva-nos a pensar neste conceito onde existe viabilidade na sua aplicação, em cenários onde a presença física dos doentes e/ou profissionais de saúde não é absolutamente necessária para a realização do ato em questão.
Constrangimentos, não só clínicos, mas sobretudo de caráter regulamentar, logístico e financeiro tem impedido a evolução deste conceito. A não existência de legislação a este respeito faz com que as unidades de saúde e as entidades financiadoras de saúde evitem encarar este modelo de uma forma séria e determinada.
O HIS é a única ferramenta de cotidiana utilização no que a sistemas de informação se refere na realização de atos clínicos, utilizado principalmente para consultar e registar informação no registo de saúde eletrónico (EPR) do doente e para gerir informação administrativa e financeira referente à relação entre o doente, as entidades de saúde e as entidades financiadoras.
Se tomarmos como exemplo e referência o ato médico “consulta médica” e o desconstruímos tentando detetar as atividades mais importantes que nele acontecem, podemos destacar as seguintes: anamnese feita pelo doente, anamnese feita pelo profissional de saúde, solicitação de meios complementares de diagnóstico, envio e receção de meios complementares de diagnóstico, revisão por parte do profissional de saúde de meios complementares de diagnóstico, elaboração e envio de prescrições médicas e o ato de auscultação/revisão feita pelo profissional de saúde ao doente. Todas estas atividades, excetuando a auscultação/revisão do doente, podem ser sujeitas a mecanismos de automatização e virtualização, e realizadas à distância sem a necessidade da presença física do doente. É neste sentido que se prevê o caminho a seguir no que à transformação digital diz respeito, na vertente de realização de atos clínicos dentro do contexto da informatização da saúde.
É um estândar que a duração de uma consulta medica é de aproximadamente 15 minutos, dos quais metade do tempo é dedicado à anamnese, ficando a outra metade para a realização do diagnóstico ou pedido de meios complementares de diagnóstico, revisão de resultados de meios complementares de diagnóstico, elaboração de prescrições e os respetivos rituais sociais de cumprimentos e despedidas. Podemos prever as vantagens em termos de eficiência que a automatização, virtualização e a remota ação deste processo pode trazer, sem pretender substituir o modelo do atual, mas sim oferecer uma alternativa para quem quiser tirar partido deste tipo de soluções [7].
Existem ferramentas que permitem a automatização deste processo e já há exemplos de medicina à distância exercida sobretudo para lugares de escassez de profissionais de saúde. Este conceito pode ser banalizado e ser disponibilizado para o uso cotidiano, evitando deslocações desnecessárias e otimizando o tempo empregue nestas atividades por todos os que nelas se encontram envolvidos.
Anamneses feitas pelos doentes antes de ir as consultas (“pré-anamnese”), envio e revisão de resultados de meios complementares de diagnóstico, segundas opiniões médicas, teleconsultas, são entre outras atividades para as quais se espera o surgimentos e evolução de ferramentas informáticas tipo apps ou sites ou mesmo dispositivos de hardware que permitam e/ou facilitem a execução à distância destas atividades.
Depois de ter feito este percurso pelos processos mais importantes integradores de uma unidade hospitalar, olhando para o seu atual estado no que a estratégia digital se refere, e as perspetivas futuras de desenvolvimento que cada um tem, podemos concluir o seguinte:
Docente da Pós-Graduação em Gestão de Instituições de Saúde e CTO da Effy Healthcare
[1] Keasberry, J., Scott, I. A., Sullivan, C., Staib, A., & Ashby, R. (2017). Going digital: a narrative overview of the clinical and organisational impacts of eHealth technologies in hospital practice. Australian Health Review.
[2] Topol, E. (2013). The creative destruction of medicine: How the digital revolution will create better health care.
[3] Bigus, J. P., Campbell, M., Carmeli, B., Cefkin, M., Chang, H., Chen-Ritzo, C. H., ... & Glissmann, S. (2011). Information technology for healthcare transformation. IBM Journal of Research and Development, 55(5), 6-1.
[4] Paes, L. R. D. A. (2003). O uso da informática no processo de tomada de decisão médica em cardiologia: um estudo de casos múltiplos em hospitais de São Paulo.
[5] Ford, G., Compton, M., Millett, G., & Tzortzis, A. (2017). The Role of Digital Disruption in Healthcare Service Innovation. Service Business Model Innovation in Healthcare and Hospital Management, 57-70.
[6] Ghassemi, M., Celi, L. A., & Stone, D. J. (2015). State of the art review: the data revolution in critical care. Critical Care, 19(1), 118.
[7] Riva, G. (2000). From Telehealth to E-health: Internet and distributed virtual reality in health care. CyberPsychology & Behavior, 3(6), 989-998.
[8] Honeyman, M., Dunn, P., & McKenna, H. (2016). A digital NHS?.
[9] Hwang, J., & Christensen, C. M. (2008). Disruptive innovation in health care delivery: a framework for business-model innovation. Health Affairs, 27(5), 1329-1335.
[10] Muhos, M., Del Foit Jr, L. R., & Saarela, M. (2016, September). Growth Management of Digital Health Care Service Start-Ups–California Case Studies. In Proceedings of The 11th European Conference on Innovation and Entrepreneurship 15-16 September 2016 (p. 512).