A política do pão e circo (panem et circenses) era o modo com o qual os estadistas romanos lidavam com a população, garantindo assim a sua lealdade ao modelo social estabelecido e conquistando o seu apoio. A crítica social desta frase refletia a falta de interesse e desinformação a respeito dos assuntos políticos por parte da população romana, sendo que só se preocupavam com divertimento e a barriga cheia.
Nos últimos tempos, não posso ignorar o paralelo que se tem construído em Portugal. O governo “diverte-nos” com a telenovela TAP. A troca de protagonistas, de Alexandra Reis para Christine Ourmières-Widener, garantiu uma continuidade de audiência, sendo que os reais problemas do país passam “despercebidos” e comentados com pouca profundidade.
Um país com a nossa fragilidade económica e iniquidade social dificilmente está preparado para mais um embate económico que parece ser inevitável.
Com o anúncio da continuação da subida das taxas de juro e um pedido de contenção ao nível de medidas orçamentais e aumentos salariais por parte do Banco Central Europeu, é evidente que teremos muitas famílias portuguesas em situações de grande adversidade. Com o objetivo de alcançar uma taxa de inflação de 2%, assistimos ao maior aumento histórico das taxas de juro por parte do BCE, que foi de 125 pontos base no total.
É pouco provável que fiquemos por aqui… O relatório da OCDE “Recuperação Frágil” defende mais aumentos nas taxas de juros sendo que se prevê que o pico em 2024 entre 5,25%-5,5% nos EUA e 4,25% na zona Euro.
Os analistas, que estimam um abrandamento económico na zona euro devido a um conjunto de fatores, entre os quais, a inflação, a incerteza, a política monetária restritiva, a guerra, o preço da energia, e a queda de confiança dos consumidores, parecem apontar para uma tempestade perfeita de enfraquecimento do poder de compra e instabilidade económica.
A especulação dos preços de bens essenciais (comida e energia) e a consequente queda de consumo que, em muitos casos é o único instrumento que os portugueses têm para gerir os parcos orçamentos familiares, é outro tema que merece uma solução premente.
Por outro, a contestação social que tem vindo a permear a sociedade portuguesa é um sintoma de inquietação e de preocupação com o futuro. No país de brandos costumes, é quase singular este momento que vivemos de contestações várias de todas as partes da sociedade.
Por último, temos ainda a incerteza de uma potencial crise das instituições bancárias. As declarações respeitantes à queda do Silicon Valley Bank e a compra do Credit Suisse fazem ecoar discursos da crise do subprime de 2008 em que os bancos portugueses passavam todos os testes de acidez. Fomos confortados inúmeras vezes com declarações sobre o facto de não estarmos expostos ao risco. Esperemos que desta vez assim seja.
Parece que nos encontramos num vórtex vicioso que trará dificuldades nos próximos tempos e que neste momento, nem o futebol que é tipicamente usado como o “ópio do povo” e versão portuguesa do circo, chegará para distrair os portugueses. Esperemos pelo próximo circo, ou para que, finalmente, comecemos a discutir de forma séria os assuntos sérios… Para mim, já chega de “pão e circo”!
Artigo publicado no Jornal Económico.